
Toda a gravidez da minha esposa (Melina) foi normal no Chile. Só ficamos sabendo que o Santino (filho mais novo) nasceu com síndrome de Down na hora do parto. Ele ficou internado na UTI e passou por cirurgias no coração e intestino nos primeiros dias de vida. Quando chegamos a Belo Horizonte para jogar no Cruzeiro no meio de 2010, seguimos fazendo os procedimentos médicos e fomos aprendendo no dia a dia em como lidar com aquilo tudo. Estávamos cheio de dúvidas, já que não sabíamos como era ter um filho com deficiência, o que nos dava medo se iríamos conseguir estar à altura do que ele precisava naquele momento.
Arrumava um jeito de treinar e jogar, mas já voltava logo para a UTI e dormia por lá. Isso passou a ser normal para a nossa família porque foi muito tempo assim, e não só três dias. Se tivesse acontecido algo pior, eu ficaria com a consciência muito pesada. Na época, não havia psicólogos no clube, mas não senti falta disso porque minha esposa e meu filho mais velho (Valentín) me deram força naquele momento. Às vezes, a gente faz loucuras como essa. Talvez, fosse melhor deixar o futebol de lado e ficar direto com eles na UTI, mas, graças a Deus, deu tudo certo no final.
Reclamava de questões inúteis antes de ter um filho com síndrome de Down na UTI. Quando o via internado ou nas consultas de fisioterapia, com um monte de médicos do lado dele, aí me questionava:
“Poxa, o que eu estava pensando que era um problema, não era nada na verdade”.
Ele me ensinou a enxergar a vida de outro jeito. Felizmente, hoje só precisa fazer sua terapia cognitiva e outros cuidados normais como toda pessoa de 15 anos.

Moro em Madri, na Espanha, há dois anos e, quando saio de casa, vejo cada vez mais programas de inclusão ou alguém com deficiência trabalhando em loja, restaurante. O Santino joga bola em uma fundação para deficientes no Real Madrid. Apesar do Brasil ser exceção, os países da América do Sul estão atrasados. Em 2018, uma escola de Buenos Aires garantiu que tinha vaga no primeiro momento, mas, ao saber da condição do meu filho, falaram que já não tinha mais. Arrumamos outra (escola) depois, mas foi horrível passar por isso no meu país. Muitas escolas se chamam de inclusivas, mas não é a realidade. Como figura pública, ainda consigo expor o que aconteceu, mas existem pessoas que não têm essa visibilidade.
Espero que todos os pais de filhos com síndrome de Down consigam dar carinho suficiente porque eles se sentem sozinhos muitas vezes. E também tentem ajudá-los a ficarem o mais independentes possível. Sei que cada caso é diferente, mas tomara que todo mundo tenha consciência de incluir quem precisa realmente.
Perdas do pai e avô na pandemia
Lembro que, na pandemia, fiquei com muito medo de sair para outro país e, depois, contagiar o Santino, que já operou o coração e fez outras cirurgias. Tanto que nem viajei para a Argentina antes de perder meu pai (Walter) e avô (Oscar) por Covid-19, quando ainda tinha pouca informação sobre a doença e o número de mortos não parava de subir. Mesmo com um pedido de permissão especial às autoridades, eu preferi não viajar. Não consegui dar adeus a eles (pai e avô), mas agradeço que a pandemia ficou para trás.
Confesso que também fiquei com receio de jogar futebol pelo Santino. Depois de meses parado, voltamos sob muitos cuidados, com testes de PCR, revezamento de pessoas nos vestiários, um jogador a cada 50 metros nos treinos. A Universidade de Chile baixou um pouco os salários, mas tentamos fazer com que isso não afetasse os atletas mais novos, sendo que muitos já tinham filhos para criar.
Fui capitão em todos os times que joguei, sempre tentei passar o exemplo de profissionalismo para os novatos, já que, quando comecei, o veterano dava mais “pancada” do que ajudava. Também sempre fui mais caseiro.
Evitava sair quando o time perdia. Mesmo se ganhasse, mas eu não jogasse bem, me trancava em casa porque era uma cobrança comigo mesmo.
Ser “pé no chão” me ajudou na relação com torcedores, jornalistas e companheiros de equipe. Gostava de chamar a responsabilidade em campo, ao contrário de falar besteira na imprensa. Tem que aproveitar as oportunidades porque o futebol é curto. Com a exposição da rede social, fica mais perigoso para o jogador sair à noite. Antigamente, ele conseguia “escapar” sem ninguém saber.
Ao abrir uma agência de jogadores depois da aposentadoria, observei que o sul-americano passa por muito mais situações críticas, como passar fome e jogar bola na rua. Se ele receber uma proposta da Grécia ou seja qual for o lugar, ele aceita na hora para viver do futebol. Já aqui na Espanha, o jogador pode recusar com tranquilidade uma oferta que não seja boa. No meu caso, minha família não tinha uma condição farta, mas nunca faltou nada.
Maior frustração e aposentadoria

Antes da aposentadoria, em 2021, posso ter me precipitado em anunciar minha despedida logo depois de rescindir com o Botafogo, em 2017, só que estava cansado de treinar exaustivamente e se lesionar. Foi a maior frustração da minha carreira não poder ajudar o clube, que confiou muito em mim e estava bem na Libertadores com o Jair Ventura. Todo mundo falava que eu tinha ido “roubar”, que estava dando “migué” para não jogar. Eu não estava numa idade de querer ouvir isso e não precisava do dinheiro. Chegou uma hora que falei “não quero saber, vou embora, não vou cobrar nada”.
O contrato não garante que você não vá se machucar. Afinal, é um ser humano. Mas a vida no futebol é assim mesmo.
Acredito que essa pausa de seis meses me fez bem. Descansei, levei e busquei meus filhos na escola, fui a aniversários, o que não estava acostumado a fazer com a rotina do futebol. Nesse meio-tempo, minha esposa e o Sérgio, meu agente, começaram a falar que eu não deveria acabar a minha carreira desse jeito e decidi voltar a treinar no Rio. Também fiz atividades na Argentina e, do nada, conheci o treinador do Tigres (Cristian Ledesma), que me convenceu de retornar aos gramados em 2018.

No final, me aposentei quando eu queria e no time que escolhi (Universidad de Chile). Foi onde meu filho nasceu já na UTI. Quando eu saí para o Cruzeiro, eu sempre falei que voltaria. Assim como o Neymar fez com o Santos, eu voltei para dar tchau (risos). Sou muito agradecido por quem confiou em mim. Não esperava fazer tudo o que eu fiz em grandes clubes que representei dentro de campo. Agora só falta me despedir oficialmente no Estádio Nacional (em Santiago, capital do Chile), em dezembro, ao lado da minha esposa (Emma Sofia) e do meus filhos (Santino e Valentín).
(*Em depoimento ao repórter Lucas Ribeiro)
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