

Desde 1975 no meio do futebol, quando iniciou a carreira como preparador físico da Portuguesa-RJ, Paulo Autuori carrega consigo os mesmos princípios e conceitos profissionais que cultivou ao longo desses 50 anos. Foram justamente a partir destes que o experiente treinador e diretor de futebol, entrevistado da semana no “Toca e Passa”, videocast do GLOBO, deu embasadas opiniões sobre os principais assuntos que permeiam o futebol brasileiro e mundial. A íntegra do episódio estará disponível a partir das 11h nas plataformas de áudio e no Youtube.
Seu último trabalho foi como coordenador técnico do Athletico-PR, em 2024. Qual é o seu status profissional?
Aqui no Brasil, eu sempre deixei muito claro: não penso em voltar a ser treinador de futebol. Diretor executivo também não sou. Nunca quis ser. Não trabalho com negociações. Meu lance é eminentemente técnico. O trabalho que eu tenho vindo a desenvolver é junto com as comissões técnicas de distintas categorias.
Então está aberto para novos desafios?
Tenho recebido convites de fora do Brasil como técnico, porque sou treinador de futebol. Uma das razões pelas quais eu deixei de querer treinar no Brasil é justamente a falta de tempo para o treino, em razão do calendário o qual eu sou um crítico ferrenho, assim como da CBF. Há muito tempo, mas agora está pior. Ela não pensa o futebol como um todo. Se preocupa apenas com a seleção principal e com os patrocínios, que estão cada vez mais fortes. E quando você tem que pensar o futebol de uma maneira mais forte, pergunto: existe futebol forte sem clubes fortes? Não.
O apoio à reeleição de Ednaldo Rodrigues por unanimidade faz com que presidentes e treinadores “percam a razão” nas reclamações?
É bom tocar nisso. As federações são filhotes da CBF. Essa é a realidade. Tudo que saiu hoje nos últimos dias é muito claro e os bastidores já sabem disso há muito tempo. Olha o que os presidentes de federações levam em termos de valores… Fora os penduricalhos. A CBF, para mim, não é uma entidade desportiva. É uma política muito clara. Então não tem pessoas que pensam o futebol da maneira como deveriam. Vejo o futebol brasileiro com muita preocupação.
O Ronaldo tentou se candidatar…
É evidente que os clubes têm receio de serem retaliados desportivamente. Essa é a grande realidade.
Em relação aos treinadores, você vê um incômodo hoje em dia dos brasileiros com o aumento dos estrangeiros?
Acho que isso transcende. Paro para ver o que está acontecendo no mundo hoje, e é preocupante. Vivemos ondas de nacionalismo violentas. Na França, há algum tempo os estrangeiros eram muito bem-vindos. Depois, isso começou a se perder. Isso é no mundo todo e o futebol brasileiro pode passar por isso. Eu vejo a qualidade dos profissionais quando chegam. Isso é fundamental em quaisquer circunstâncias ou lugares. Não pode ser algo feito exclusivamente porque é modismo, porque nisso, ocupam muito espaço. Mas também não podemos só ficar na bronca e de beiço, porque aí não adianta nada. Precisamos fazer alguma coisa.
Ao longo da sua carreira, você sempre foi um personagem ligado aos assuntos políticos e sociais no futebol. Como se enxerga politicamente no mundo atual?
Acho que já não há mais espaço para se pensar em esquerda, centro ou direita. Têm situações que transcendem o espectro político. Eu estaria num partido do bom senso, que é algo em extinção nos dias de hoje. Acho que precisamos ter o equilíbrio de entender que, entre necessidades e vontades pessoais, temos que ter olhar prioritário para as necessidades. Se falamos de filhos, a preocupação como pais é suprir as necessidades como saúde, educação, cultura, lazer… Se nós tirarmos da necessidade para fazer a vontade, nós vamos estar prejudicando, entende?
Em relação aos seus principais trabalhos e títulos aqui no Brasil, algum clube tem um lugar especial no seu coração?
Tive trabalhos em clubes que não necessariamente terminaram em conquistas, mas que eu me senti muito mais realizado do que nesses desenvolvidos em Botafogo, Cruzeiro e São Paulo, por exemplo. Flamengo em 1997, Internacional em 1999 e na seleção peruana, por exemplo. Foram importantes em termos de solidez de trabalho. Óbvio que, quando você conquista, fica marcado. O mais desafiador de longe foi o Botafogo de 95, até porque eu não tinha passado nenhum. Fui motivo de chacota.
Você falou que recebe ligações para voltar a ser treinador, algumas do exterior. O que te faria sair do Brasil hoje, aos 68 anos?
O Brasil. Os problemas do país e essa falta de perspectiva. Desde que me conheço por gente vejo governantes falando em educação, apostar nela, etc. Só que, ao longo desses meus quase 69 anos de vida, só vi o decréscimo da educação. Principalmente a pública.
Você se mostrou um tanto quanto descrente em relação ao futuro do futebol brasileiro, mas o que você gosta de ver atualmente?
Acho que Flamengo, Internacional e Bahia estão produzindo um futebol extremamente interessante de se ver e que alia qualidade ao resultado. No futebol, não conheço nenhuma campanha vitoriosa em que você não tenha dado sorte em alguns momentos de ter ganho jogos que não produziu bem. Todos têm que entender, e o torcedor também, que oscilação aqui no futebol brasileiro é a coisa mais natural e vai existir sempre.
Então Filipe Luís, Rogério Ceni e Roger Machado teriam condições de assumir a seleção brasileira?
São perfeitamente habilitados. Todos eles. E outros pra mim, mas só tocamos nos três nomes das equipes que falei que estão a jogar um bom futebol. Mas outros também têm a possibilidade de fazer um ótimo trabalho. Mas a ideia agora é trazer um estrangeiro porque é quase uma súplica no contexto do futebol brasileiro para que isso ocorra. E, infelizmente, nós somos os culpados. Nós treinadores
E qual é a sua expectativa em relação ao retorno do Neymar?
Talento é inegável que o Neymar tem. Mas há uma interação, um diálogo entre técnica, que é inerente ao jogador, tática, físico e mental. No mundo competitivo de hoje, o aspecto mental é diferencial no futebol. E eu penso que o foco do Neymar está desvirtuado em relação àquilo que é prioridade para ele. Ele pode aportar muitíssimo para a seleção com o talento que tem, desde que esteja com o foco no futebol. Mas não me parece que isso esteja acontecendo nesse período inicial no Santos.
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