
Você sai do Corinthians magoado com a diretoria e com Memphis Depay, que criticou publicamente a qualidade de jogo do time?
Memphis não teve nada a ver. É um pensamento dele, com quem tenho relação próxima. Foi uma decisão do presidente (Augusto Melo). O resultado nos sustentava, desde o ano passado. Fomos embora sabendo que fizemos algo pelo clube. Quando chegamos, ninguém queria ir para o Corinthians, hoje todo mundo quer. Recebo muitas mensagens, saímos pela porta da frente.
Voltaria para o Vasco?
Não recebi nenhum contato. Voltar a um clube onde fomos bem, eu voltaria. O Vasco sempre terá meu respeito. Recebi mensagem em rede social, mas não houve contato com o pessoal que está lá. Teria que mudar muita coisa para que a gente pudesse voltar.
O que aconteceu de fato no dia daquela demissão?
Fechamos a roda (com os jogadores), rezamos. Falamos que assim não se podia continuar, jogar como jogamos contra o Criciúma (derrota por 4 a 0). Quando estávamos trocando ideia, apareceu num tweet na TV que estávamos demitidos. Foi triste. Não queríamos sair desse jeito. Não merecíamos ser demitidos pelo Twitter. Podem não nos querer mais, como no Corinthians. No Vasco, foi feio.
Falaram que vocês entregaram o cargo…
Para entregar o cargo tem que falar com o presidente. Não é assim. Isso foi totalmente falso.

Você jogou até os 28 anos e depois virou auxiliar do seu pai, Ramón. O que mudou? Qual função é mais difícil?
Como treinador, você tem muito mais responsabilidades. Você é treinador as 24 horas do dia. Pode estar vendo um filme com sua esposa e seus filhos, mas ainda está pensando em um jogo. Você não desliga nunca.
Como jogador era mais fácil? Mesmo como filho do Ramón?
Como jogador acho que o que mais me ajudou a ser treinador foi ter nascido em um dos maiores times do mundo, que é o River Plate. Ou seja, em um vestiário com lendas, você aprende. Eu tive muitos caras que me ajudaram demais. Era outra época, não? Havia outro respeito, outra forma de respeitar os grandes. Porque o jogador grande ficava muitos anos no clube, te ensinava muitas coisas. Astrada, Ortega, não quero esquecer nenhum. Até Gallardo mesmo, que eu tive como companheiro. Me guiavam para um lado que um pai não podia falar. Aindamais um pai sendo do futebol. No tema econômico, a mim nunca me faltou nada.
Por que seu pai não tinha esse papel?
Eu vivia essa realidade em um ano em que ele foi meu treinador. Eu não falava com ele diretamente. Ele era meu treinador, mas eu praticamente não falava com ele. Não tinha briga. Mas eu não gostava de saber o que ia acontecer. Porque depois tinha que ir ao vestiário. Então eu ia direto para casa. Saí de casa aos 17 anos, fui morar sozinho. E esses caras me ensinaram o que é o valor de comprar uma casa, de fazer bem as finanças, de ter um comportamento fora do futebol também, que você não só é jogador de futebol, mas você representa muitas coisas. Esses caras me ensinaram muitos códigos de vestiário, fundamental para eu me tornar um treinador. Eles ganharam tudo: Libertadores, Supercopa, Campeonato Argentino. São lendas. Tenho muita gratidão por eles porque eles me ensinaram um caminho que era muito difícil de aprender se não fosse lá dentro. E isso me serviu para o resto da vida.
No Brasil, você se destacou por sua atuação no vestiário … É diferente o vestiário aqui?
Acho que Brasil, Argentina, em toda a América do Sul, é parecido. E sempre falo o mesmo. Quando um treinador fala com o coração, ou fala o que sente, o jogador sente. Você não pode transmitir algo que você não sente. Mesmo que seja ruim ou bom. Você tem que transmitir o que você sente nesse momento, sobretudo em um pré-jogo. Em um pós-jogo também, tem que ter muito cuidado quando perde.
É um trabalho de comunicação?
Claro. Você tem que mandar uma mensagem que o seu coração sente para o seu grupo. Depois são eles que vão ter que te defender lá dentro. Eu briguei uma só vez por rebaixamento. Há muitas coisas que você sente, e o grupo sabe o que está acontecendo, que não acontecem quando, geralmente, você briga por títulos. A meta é outra. A glória é outra. Você sabe que não vai ficar na história do clube porque salvou um rebaixamento. Os títulos, sim. Então, a forma de sentir o grupo é diferente. Acho que essa foi a diferença entre o Brasil e a Argentina.
Como saber essa diferença?
Você não tem um livrinho que vai dizer como fazer isso. No tático, na planejamento do treino, sim. Mas no papo do dia a dia que você tem que instruir um grupo, é diferente. Cada grupo tem uma maneira diferente de viver, tem diferentes personalidades. Tem uma forma de lidar, tem diferentes nacionalidades, tem diferentes religiões. Nós estamos acostumados a lidar um pouco com isso. Quando se fala da liderança, em nenhum lugar se mede pelo que está feito. A liderança no futebol de hoje se mede por resultado. Se você ganha, é um bom líder. Se você perde, perdeu o grupo, ou faz panela, toda essa merda. Nós sabemos o que acontece dentro, nós sabemos como se faz essa coisa, então… O que você leva para sempre são as relações que você tem com o grupo. Eu, graças a Deus, com todo o grupo que tivemos, sigo tendo relações.
Qual seu tipo de liderança?
Tento ser próximo ao jogador. Ele tem que me respeitar, e eu respeito muito ele. Afinal de contas, eles são seres humanos, você também tem que saber o que está acontecendo na sua vida pessoal. Eu trato eles como meus filhos. Quando você vê um filho que está um pouco abaixo, sabe que está acontecendo algo, você tem que tentar arrumar esse problema. Não é só o tático. Não é só dentro do campo. Então, o jogador percebe isso, que você o ajuda tanto dentro como fora do campo.
Olhando os trabalhos que vocês fizeram aqui, essa metodologia ficou clara, parte anímica e tática… Conquistaram título no Corinthians, e salvaram o Vasco do rebaixamento…
Milagre (risos). Foi difícil, né?
Vocês também tiveram uma passagem relâmpago pelo Botafogo, em 2020. O que guarda de lembrança?
Foi muito ruim. Estava com meu pai com câncer e tinha que brigar contra um rebaixamento. Não tinha cabeça. Chegamos aqui e, no dia em que assinariam (o contrato), o médico dele me ligou. Tinha que operar. A única coisa que sentia dentro do meu coração é que ele se curasse e acabasse tudo.
Te surpreendeu a retomada do Botafogo, daquele clube que conheceu para o de hoje?
Surpreendeu. Quando chegamos, o momento era crítico. Só tínhamos o Nilton Santos para treinar. O campo era muito ruim. Fiquei contente. O clube precisava.
Não sou um auxiliar normal. Eu sou filho de um cara que ganhou tudo. É difícil. E quando você vê que você suporta a pressão, e você não está nem aí pro que falam, se você é bom ou ruim, e o trabalho dá certo, o jogador reconhece esse trabalho… Não sinto pressão. Se eu ganhava, ganhava o Ramón. Se eu perdia, perdia o Emiliano.
— Emiliano Díaz
Se sente capaz, hoje, de treinar um time sozinho? Quando se deu conta disso?
Depois da seleção do Paraguai (2014 a 2016) e do River Plate (2012 a 2014), onde fui muito criticado. Porque não sou um auxiliar normal. Sou filho de um cara que ganhou tudo. É difícil. E, quando você vê que suporta a pressão, que não está nem aí para o que falam, e o trabalho dá certo… Não sinto pressão. Se ganhava, ganhava o Ramon. Se perdia, perdia o Emiliano. Era assim. E eu falei: “Cara, vamos decidir. Nós estamos juntos. Se estão batendo em mim, deixa eu decidir também”. E assim começou.
São dez anos tomando porrada por ser filho do Ramón…
Eu me aposentei como jogador aos 28 anos. Com 30 anos, já estava ali comandando um dos maiores clubes do mundo (River Plate). E o primeiro ano não foi bom. O Ramón havia ganhado tudo. Euando eu comecei a sentir que as porradas não me abalavam, não doíam, falei: “Vamos embora”. Ele sofreu mais do que eu.

Você deixava ele tomar à frente?
Não, eu gostava de botar a cara. Porque foi assim sempre, em toda a minha vida. Eu era volante e ele era artilheiro. Então, essa comparação sempre existiu. Como que já era parte natural da minha vida, a pressão já não incomodava.
Hoje existe um lugar em que permite que ele seja o volante e você, o atacante?
Quando a porrada é para mim, deixa comigo. Como jogador, sempre foi assim. Já tenho o respeito que conquistei como treinador, então é diferente. E quando as porradas são para mim, não gosto que ninguém me defenda. Nem Ramón, nem meu assistente. Gosto de estar à frente, sim.
A carreira como técnico solo é o próximo passo, então?
Chegaram ofertas para mim. Estive muito perto de fechar e seguir meu caminho. Mas se chegar uma oportunidade e o Ramón quiser seguir também… Porque eu sempre falo: eu não me sinto auxiliar.
Tem algum caso fora do futebol, que você se lembra da infância com seu pai?
Para mim, ele sempre foi o cara do futebol. Nós temos a relação de melhores amigos. Mais leve. Sempre tive o caminho claro do que eu queria. Na minha vida pessoal, tudo o que eu conquistei, que posso dar para meus filhos, com a minha esposa, com quem estou há 25 anos, seja muito, seja pouco, foi conquistado por mim. Desde o primeiro dia que, aos 15 anos, eu fiz meu primeiro contrato com o River, sempre tive essa meta. O sobrenome ajuda, te leva a certos lugares que você não sabe se tem a capacidade para jogar. Mas, depois, você tem que fazer as coisas. A personalidade é sua, você que vai errar. Não vai ser o Ramón. Você vai acertar também. Minha mãe, meu pai, meu irmão, minha esposa, meus filhos, meus melhores amigos, eles sabem que tudo o que eu conquistei foi com o meu melhor amigo. Esse é o meu maior orgulho, pois vai além do futebol.
Qual papel da sua mulher em tudo isso?
Foi fundamental. Sobretudo por ela ter que fazer, muitas vezes, mais o papel de pai. Eu sempre falo que ela tem três filhos, não dois. Eu sou um filho a mais. Ela foi fundamental, pois passamos dificuldades. Ela largou o curso de advocacia e veio comigo para o futebol argentino, para o futebol uruguaio. Ficávamos seis meses sem receber. E era difícil. Depois compramos a nossa primeira casa, ficamos sem nada. E eu não quis pedir ajuda para ninguém. Não só ao meu pai. Tinha uma galera que podia me ajudar, mas não pedi a ninguém. Foi difícil.
A figura do teu pai é muito ascendente pelo futebol. Sua mãe teve que papel?
Ela é quem manda. É difícil a posição de mãe, sobretudo quando trabalhamos juntos. Quando ele foi meu treinador, às vezes, eu estava chateado e não a via por meses. E é difícil se conformar. Ela sabia a personalidadedo filho. Mas sempre me acompanhou desce criança. Quando eu jogava, ela sempre ia comigo de um lado para o outro. Um papel fundamental também.
E quando você tomava essas porradas, ela fazia o quê?
Ela queria sair e bater em todo mundo. Era diferente. O Ramón é um pouco mais político. Acho que essa é a pior parte de ser mãe de um jogador de futebol. O Ramón é mais parceiro. Ela era a que colocava limite.
Você é mais tranquilo hoje, na criação dos seus filhos?
É o único momento em que sinto medo. Como pai. Porque sei ser treinador, sei o que sou como pessoa. Mas, como pai, você não sabe se está fazendo o certo ou não. Minha mulher é quem mete mais um freio, por eu não estar tanto tempo presente com meus filhos. Esta profissão te leva muito. Às vezes, eles sofrem. Meu filho tem 10 anos e foi a seis colégios diferentes. Sinto essa pressão, que todo mundo tem. Aí é a parte difícil.
Como você trabalha o lado emocional?
Quando eu comecei no River, sentia que precisava. Eu estava muito no limite, queria brigar com todo mundo. Não com o meu entorno, mas fora. Eu ia fazer uma cagada. Conheci um coach, e trabalhei com ele por quatro anos. Depois, segui sozinho e comecei a trabalhar meus medos, minha insegurança. Isso me mudou. Não só a forma de pensar, mas separar um pouco a minha vida pessoal do trabalho. No sentido de saber quem você precisa valorizar mais, quem tem que cuidar mais. Eu queria ganhar, ganhar, ganhar. Esse cara me ensinou a dar valor a outras coisas. A buscar coisas que são muito mais importantes que o resultado. Já tinha minha filha, e comecei a ver que também era essa parte que eu tinha que dar. Obviamente, a pressão segue existindo. Ninguém é de ferro. Mas não posso estar mal porque o grupo precisa de mim. Mas aprendi a estar mais presente com meus filhos, minha esposa, amigos. No campo, eu sei lidar com pressão desde que nasci.
Do que você tem saudade?
De entrar no Monumental. Como torcedor. Não tem sensação igual. Não tem algo parecido. Depois dos 12 anos, já voltei a viver no país. E até os 19, 20…Quando criança não, pois estivemos por todas as partes do mundo.
Você conseguiu viver o outro lado do futebol também, então, como torcedor?
Nossa família é River Plate. Nós estávamos no Japão, havia 12 horas de diferença no fuso horário, mas às 6h da manhã nos levantávamos. Às vezes, víamos jogos de madrugada. Na Arábia, tínhamos que ficar até as 4h da manhã para ver um jogo do River. E toda a família ficava. É desse grau de loucura que estamos falando.
Voltariam para lá?
Não, por agora não. Quando está tudo bem, deixa quieto. Porque cada vez que nos ligam, é porque está complicado (risos).
Você é muito ligado à seleção da Argentina?
Sou River Plate, o meu clube do coração, não tanto Argentina. Lá, tenho amigos e família. Visitamos o país uma vez por ano, mas há 14 não moramos mais lá.
Qual o espaço do Brasil no seu coração?
Foram dois clubes gigantes, em situações muito difíceis. A gratidão que eu tenho com o Brasil é que começaram a dar muito valor ao Emiliano Díaz. Isso não ia acontecer em outro lugar. No Vasco, houve um jogo que, como treinador, nunca tinha acontecido. Todo o estádio começou a gritar meu nome. Essas coisas você não esquece mais. No Corinthians, sinto um carinho do torcedor que eu não havia sentido nunca.
No meio, entre esses trabalhos, você também entendeu que você podia aportar essa sua competência como treinador aqui e ter esse eventual voo solo?
Chegaram ofertas para mim. Estive muito perto de fechar e já ia seguir o meu caminho. Mas se chega uma oportunidade e o Ramon quiser seguir também …Porque eu sempre falo o mesmo. Eu não me sinto auxiliar. Então como eu decido, eu estou aí.
Qual treinador gostaria de ver à frente da seleção brasileira?
Gosto da ideia do Ancelotti. Mas, se não der, acho que Abel (Ferreira) tem toda a capacidade. Está há cinco anos no Brasil, é difícil enfrentá-lo. Sempre fizemos bons jogos. Ganhamos a maioria deles, mas nos custou muito. E é um cara que conhece bem. Se fosse brasileiro, gostaria muito. E gostaria que Neymar pudesse ganhar uma Copa do Mundo. Falei isso para ele. Seria extraordinário.
Quem você acha que vai ser campeão brasileiro?
Quero que o Corinthians seja campeão. Que possam arrumar as coisas e brigar por título.
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