

Jornalista que fuça demonstrações contábeis às vezes acha histórias curiosas. Em meio ao amontoado de clubes endividados e federações falidas do futebol brasileiro, por exemplo, os balanços entregam que uma entidade específica triunfou em 2024. A CBF. E o número mais vistoso e autoexplicativo é o que aponta o dinheiro que ela mantém em caixa: R$ 2,4 bilhões.
Para que se tenha parâmetro, a CBF havia terminado 2023 com R$ 1 bilhão em caixa. Houve, portanto, um acréscimo de R$ 1,4 bilhão no decorrer de um único ano. Dinheiro que sobrou em sua conta e pôde ser colocado em aplicações financeiras, para que renda juros nos próximos anos, a uma confederação que já embolsava quantias bem altas com receitas financeiras.
Outro jeito de dimensionar essa grana é o seguinte: o Flamengo, neste mesmo 31 de dezembro de 2024, fechou seu balanço com R$ 92 milhões em caixa e aplicações financeiras. E olha que estamos falando de um dos clubes mais ricos; a maioria termina a temporada raspando o tacho para pagar as contas do ano. A poupança da CBF equivale à poupança de 26 Flamengos.
De onde vem o dinheiro? Neste caso específico, da renovação do contrato da Nike. A CBF descreve no balanço os valores que vai receber nos próximos anos, de 2027 a 2038, e afirma que recebeu duas boladas de uma vez: (a) R$ 435 milhões em antecipação pelas temporadas de 2025 e 2026, e (b) R$ 920 milhões em bônus pela assinatura da extensão da parceria. Na soma de ambos os números, chega-se a quase tudo o que foi acrescido no caixa da entidade.
Só para ficar claro: esses valores foram depositados na conta da patrocinada no ano passado, mas não são os únicos que ela receberá ao longo da operação. Ainda há um valor fixo em pagamentos trimestrais, outro em garantia mínima por royalties, que pode aumentar com base nas vendas de materiais da seleção, e outro em premiações de acordo com competições — todos em valores que a Nike não pratica com clubes. O swoosh salvou mais do que só 2024.
Fosse a confederação um clube, o dinheiro sumiria em dois pulos. Primeiro, para pagar salários atrasados de atletas e treinadores. Segundo, para dar conta da fila de credores. Mas a casa da seleção não tem esses problemas. Ela não paga salários dos jogadores, nem se meteu em dívidas. Pelo contrário, além de bonificações e antecipações generosas, como a da Nike, ela faturou R$ 1,3 bilhão na temporada de 2024 e não tinha muito com o que se preocupar.
Para onde vai o dinheiro? A bolada da Nike, para a poupança. Já as receitas se distribuem entre o sustento das seleções brasileiras, masculina, feminina e de base; seus próprios gastos; o apoio financeiro a clubes das Séries B, C e D; e o que a confederação chama de “contribuição ao fomento do futebol nos Estados”. Este item trata do repasse de dinheiro para as federações estaduais, aquelas cujos presidentes votam nas eleições presidenciais da própria CBF.
A ironia é que a entidade máxima do futebol brasileiro nunca teve tanto dinheiro em caixa, nunca arrecadou tanto, nunca distribuiu tanto para os seus — e seu presidente, Ednaldo Rodrigues, vive à espera de novas tentativas de destituição. Ele mesmo disse em seu discurso de reeleição, há pouco mais de um mês, que havia sobrevivido a uma tentativa de golpe. E bastam poucas semanas para que, nos bastidores, volte a se futricar sobre quando o cartola cairá, amanhã ou depois. Dinheiro, parece, não compra nem felicidade, nem estabilidade.
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