
O retorno de um número 1 do mundo ao circuito costuma ser motivo para celebração. Mas, no caso do italiano Jannik Sinner, que volta às quadras hoje após três meses de suspensão por doping, há também uma boa dose de controvérsia. A punição branda que recebeu após testar positivo para um esteroide anabolizante e fazer um acordo com a Agência Mundial Antidoping (Wada) rachou o circuito e deixou a ATP sob acusações de tratamento privilegiado a um de seus atletas-vitrine. No meio desse fogo cruzado, Sinner enfrenta o argentino Mariano Navone, não antes das 14h, em sua estreia no Masters 1000 de Roma (com transmissão da ESPN 2 e do Disney+).
Sinner testou positivo para a substância proibida clostebol — esteroide anabolizante — duas vezes no ano passado: em 10 de março, durante o torneio de Indian Wells, na Califórnia-EUA, e fora de atividade no dia 18 do mesmo mês. Em ambas situações, houve detecção de “níveis baixos” da droga, que é usada frequentemente em tratamentos oftalmológicos e dermatológicos. Segundo o tenista, a contaminação em seu organismo ocorreu involuntariamente após seu fisioterapeuta Giacomo Naldi usar, durante mais de uma semana, um spray com clostebol para tratar um ferimento na própria pele e fazer contato sem luvas com o jogador.
Suspenso provisoriamente em 4 de abril de 2024 por violar regras do Programa Antidoping do Tênis (TADP), o italiano apresentou um recurso à Agência Internacional de Integridade do Tênis (ITIA) — responsável pelo antidoping na modalidade — e recebeu a autorização para seguir em atividade. Apesar disso, ele perdeu os 325 mil dólares (1,8 milhão na cotação atual) e os 400 pontos que havia conquistado em Indian Wells. Em 15 de agosto, um tribunal independente o absolveu das acusações, uma vez que a ITIA concordou que Sinner “não teve culpa ou negligência” no caso, que tornou-se público cinco dias depois, às vésperas do US Open, em que ele foi campeão.
Por outro lado, a Agência Mundial Antidoping (WADA) entrou com um recurso, em 26 de setembro, por não achar correta as regras aplicáveis para a conclusão de “ausência de culpa ou negligência” por parte de Sinner, que viria a aceitar uma suspensão de três meses, em 15 de fevereiro. O período da punição foi justamente uma questão que mais repercutiu negativamente, pois o atleta não perderia pontos tão relevantes no ranking e, de quebra, ainda conseguiria voltar a tempo de disputar o Grand Slam de Roland Garros, que começa em 25 de maio.
— Eu, como qualquer tenista, viu que o tratamento foi diferente. Lá atrás, já existiam especulações e a interpretação dos próprios jogadores, principalmente sul-americanos ou de baixo ranking, que a punição sempre foi muito mais severa do que para a turma de cima. Eu não duvido que foi acidental até pelo momento que ele (Sinner) estava vivendo. O que não pode acontecer é essa atitude por ser o número 1, o que arranha a força e a credibilidade de todo um esporte. Quem faz essa decisão está tentando encobrir alguma coisa ou alguém — opinou Fernando Meligeni, ex-tenista e comentarista da ESPN.

Fora do ATP 500 de Roterdã, na Holanda, e dos Masters 1000 de Indian Wells e Miami, ambos nos Estados Unidos, de Monte Carlo, em Monaco, e de Madri, na Espanha, nesta temporada, Sinner deixou de defender 2.500 pontos, o que foi insuficiente para sair de número 1 do mundo. Isso porque a diferença para Alexander Zverev, segundo colocado, ficou em 3.695 pontos após o bicampeonato do Australian Open. De acordo com a última atualização do ranking, no dia 5 de maio, ainda são 1.645 pontos de vantagem do italiano sobre o alemão.
Meligeni destaca que o “assunto é muito complexo porque existem vários tipos de doping e comportamentos”, o que dá margem para opiniões sobre (falta de) justiça em cada caso:
— Em relação ao Sinner, é o mesmo doping que uma pessoa com intenção? Mas como você vai saber se ela realmente queria ou não fazer? Essas são muitas perguntas que os atletas sempre se fizeram.
Desabafo de lendas
Entre os comentários de astros do tênis, Novak Djokovic e Serena Williams criticaram a resolução do caso. O sérvio observou que a maioria dos tenistas “perdeu a fé” nas autoridades antidoping, enquanto a americana fez questão de dizer que sofreria um punição bem mais grave se tivesse testado positivo para alguma substância proibida. “Se eu tivesse feito isso, teria pego 20 anos. Sejamos honestos. Teriam tirado os Grand Slams de mim”, afirmou a multicampeã, em entrevista à revista Time.
— Não é uma boa imagem para o nosso esporte, isso é certo. A maioria dos jogadores não acha justo e sente que há favoritismo. Parece que você quase pode influenciar o resultado se for um jogador de ponta, se tiver acesso aos melhores advogados e tudo mais — salientou Djokovic.
Também questionado sobre o assunto do momento, Rafael Nadal deixou as reclamações de lado ao acreditar na inocência de Sinner e confiar totalmente no sistema antidoping.
— Do meu ponto de vista, realmente não acredito que Jannik, por ser o número 1 do mundo, tenha recebido tratamento diferente de outra pessoa — disse, à CNN, o espanhol, que complementou: — Realmente acredito no processo, passei por todos os testes por 20 anos, sei como as coisas são rigorosas em cada movimento. Não posso pensar de outra forma porque, senão, pensarei que não estamos em um mundo justo.
Suspensão da líder do ranking
No feminino, a então número 1 do mundo, Iga Swiatek, também recebeu uma suspensão por doping. Em 12 de agosto de 2024, a polonesa testou positivo para a substância proibida trimetazidina (TMZ). Com a violação da regra, a ITIA fez sua obrigação ao emitir, um mês depois, uma pena provisória de 12 de setembro a 4 de outubro — perdeu três torneios.

Após recorrer da decisão em 22 de setembro, a tenista descobriu que a melatonina (medicamento para insônia) era a responsável pela contaminação e informou ao presidente do tribunal independente, que descartou a medida prévia, mas não a eximiu totalmente de culpa. Ela aceitou cumprir o restante da punição e completou seu período de inelegibilidade em 4 de dezembro.
— A questão é como o processo é diferente pra cada julgamento. Eles (autoridades) tratam diferente cada caso. Isso é uma coisa muito triste porque é muito desigual. Nem todos têm direito a um advogado e vão estar na mídia — lamentou, ao podcast New Balls Please, a brasileira Bia Haddad, que ficou 11 meses fora das quadras por suspensão de doping, em julho de 2019, até comprovar a contaminação cruzada na manipulação de vitaminas em farmácia.
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