
Desbravadores das melhores ondas, especialistas em manobras e ídolos geracionais: essa é a realidade dos surfistas enquanto estão competindo. Mas, quando o circuito desacelera, a idade chega e a versatilidade não é mais a mesma. É preciso saber para onde ir. E, num esporte em que jovens são projetados antes dos 20 anos, planejar a aposentadoria é um desafio.
Aos 36 anos, Adriano de Souza, o Mineirinho, sentiu o baque da transição. Campeão mundial em 2015 e um dos pilares da chamada Brazilian Storm, ele se aposentou em 2021, depois de lutar com as lesões e ser diagnosticado com burnout. Passou a atuar em diferentes frentes para manter a estabilidade financeira: primeiro, tornou-se mentor de Leonardo Fioravanti na preparação do italiano para os Jogos de Paris-2024; hoje, treina Alejo Muniz e Miguel Pupo, ambos na elite, e é empresário do ramo de restaurantes.
— A gente sobrevive da imagem e da credibilidade que construiu ao longo do tempo. Existem saídas, como treinador ou no freesurf — diz Mineirinho, citando os atletas que vivem da criação de conteúdo e de contratos publicitários, principalmente nas redes sociais. — Também contei com a ajuda da Redoma Capital, empresa que gerencia atletas do auge à aposentadoria.
TRANSFORMAÇÕES COM O TEMPO
Antes de Mineirinho, outros brasileiros lidaram com esse desafio. Leandro Dora, atletas nas décadas de 1990 e 2000 e hoje mentor de Luana Silva, conta que, na sua época, era difícil se sustentar apenas com as competições e que, aos 25 anos, ele largou os torneios para se dedicar apenas à marca de roupas que havia criado.
Fábio Gouveia, que encerrou a carreira em 2009 após muitas lesões, experimentou uma transição mais orgânica. Com dois anos de antecedência, começou a planejar a aposentadoria: passou a conciliar as viagens com as gravações de um programa de surfe no canal por assinatura Woohoo; voltou a fazer pranchas, uma habilidade adquirida nos anos 1990; e iniciou uma rotina de experiências compartilhadas, de clínicas para atletas mais jovens a projetos de turismo ligados ao surfe.
— Não foi planejado milimetricamente. Mas fui deixando a competição e criando outras formas de continuar ativo no surfe. Consegui ter segurança com meus investimentos, mas muita gente ficou na roubada — conta Fábio, que já observa uma evolução. — Hoje, os atletas têm mais oportunidades e estrutura. Possuem CNPJ, emitem nota, criam empresa… Mas tudo ainda depende de cada um
Filho de Fábio, Ian Gouveia é produto desse cenário mais estruturado, o que não apaga por completo as dúvidas. Ainda com “muita gasolina para queimar”, o surfista — que esteve na elite mundial neste ano, mas não passou no corte e agora disputa o Challenger Series — já pensa no futuro. Ele tem 31 anos e avalia opções: seguir como freesurfer, treinar atletas jovens ou lançar algum projeto pessoal.
— Estou mais próximo do fim que do início da carreira. Não vejo as pessoas falando sobre (a aposentadoria). Cada um constrói seu próprio caminho. Seria importante as entidades do surfe tratarem isso como uma prioridade — alertou.
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PRÓXIMOS PASSOS
À frente da World Professional Surfers (WPS), entidade que representa os atletas do CT em negociações com a WSL, Christian Beserra acompanha de perto os desafios do pós-carreira. Segundo ele, poucos atletas conseguem sair do circuito com estabilidade garantida:
— Alguns foram bem orientados e fizeram um bom pé de meia. Mas a maioria ainda precisa trabalhar duro para se sustentar, muitas vezes sem formação acadêmica ou preparo técnico fora do mar. Acabam indo para caminhos naturais: escolinhas, prancharias, marcas próprias, eventos, técnico…
Beserra explica que a WPS atua junto à WSL para garantir direitos trabalhistas aos atletas, como participação nos lucros, pensão e direito de imagem. Mas reconhece que, quando o assunto é o futuro, o buraco é mais embaixo. Entre as iniciativas recentes, a WPS criou um fundo de bem-estar, financiou cursos de formação e chegou a firmar convênios com instituições acadêmicas para oferecer capacitações a distância. A adesão, no entanto, foi baixa. Para ele, a aposentadoria deveria ser encarada por todos como uma nova atuação profissional baseada no que foi aprendido na estrada:
— O tour deve ser encarado como trampolim. Cada atleta precisa entender sua marca pessoal, construir pontes e se reinventar.
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