
No circuito há 14 temporadas, Miguel Pupo encara o ano de 2025 com a maturidade de quem já viveu altos e baixos na elite do surfe mundial. O surfista paulista, que chegou a Saquarema como o atual número 11 do ranking da WSL, mantém viva a esperança de uma arrancada rumo ao Top 5, que avança à final, e não esconde o desejo de conquistar o inédito título mundial.
Na abertura da etapa brasileira, ele venceu o australiano Ethan Ewing e o francês Marco Mignot e pode entrar na água hoje pelas oitavas de final. Em entrevista ao GLOBO, Pupo celebra o novo momento sendo treinado por Adriano de Souza, o Mineirinho, que passou a acompanhá-lo de perto nas etapas deste ano. Para ele, a presença do campeão mundial de 2015 traz um peso especial tanto na parte técnica quanto na mental.
Natural de São Sebastião, no litoral norte de São Paulo, Miguel cresceu em uma família profundamente ligada ao surfe. Filho do ex-profissional Wagner Pupo e irmão de Samuel Pupo, ele é o elo entre gerações — o único da família que competiu tanto com o pai quanto com o irmão em etapas do circuito.
Você está na 11ª posição do ranking da WSL em 2025. Como enxerga essa colocação neste momento da temporada? Ainda acredita em uma arrancada rumo ao Top 5?
Na verdade, é até engraçado, porque, pós-Austrália, eu tive bons resultados e caí posições. Você vê como é disputado lá em cima e, obviamente, todos procuravam um melhor resultado. Eu acabei sendo infeliz nas duas baterias em que competi, e isso me prejudicou, né? Porque a gente não tem discard também. Então, todo mundo soma. Se eu quiser chegar no top five, acho que agora tenho que dar grandes saltos. Quando a gente fala em grandes saltos, seria grandes resultados. Para mim, o pensamento agora é meio que semifinal para cima, e esse é o objetivo, né? Para finalizar o ano bem. A gente tem sete meses de férias pela frente, então esse é o último tiro, exatamente para a gente poder chegar nas férias tranquilo, sabendo que demos o nosso melhor ali.
O que funcionou bem até aqui e o que ainda precisa ser ajustado para subir na tabela?
Bom, acho que dá para aumentar a intensidade. O ano é longo, então, até o meio do ano, realmente eu caí fisicamente, o que é praticamente impossível — manter um alto nível por muito tempo. Acho que tive a infelicidade de ter essa queda justamente ali em Lower’s. Mas, como perdi cedo, voltei para casa mais cedo, então tive mais tempo para me recuperar mentalmente e fisicamente.
Como é ter o Mineirinho como mentor no dia a dia e de que forma ele impacta sua performance dentro e fora da água?
Eu venho trabalhando com o Adriano desde 2022, que foi o nosso primeiro ano, e nesse primeiro ano colhemos ótimos frutos. Terminei em sexto, o que já foi algo surreal para mim, pois até então não tinha chegado nem perto. Venci eventos e duas semifinais, então foi algo muito especial. Este ano é o primeiro em que ele está viajando junto. A gente trabalhava juntos, mas era mais à distância, mais uma mentoria. E é engraçado também, porque ele sempre viu o lado dele de estar na água tomando as decisões, e agora, fora, ele fica muito nervoso, porque não tem controle nenhum, né? Então, esse é um lado engraçado.
O que ele te passou de dicas pra Saquarema, já que foi campeão invicto na cidade?
Afinar o surfe, trabalhar as pranchas. Ele é um cara que praticamente já foi campeão em quase todas as etapas que a gente disputou este ano. Já venceu Margaret, Bells… Temos essa vantagem ao nosso lado. Mas eu sou goofy, né? Então, tem muita coisa que ele não consegue transparecer no jeito de surfar a onda, o que torna um pouco mais complicado. Mas ele consegue trabalhar a minha mentalidade para esse tipo de onda.
Você vem de uma família profundamente ligada ao surfe. Como foi crescer nesse ambiente e como isso influencia seu estilo e mentalidade nas competições?
Eu tive muita sorte, na real. Meu pai foi profissional por 20 anos, então eu sempre estava na praia, a prancha estava ali. Era só a vontade de querer mesmo e surfar. Também minha mente na competição já foi trabalhada nisso, porque lembro de assistir meu pai competir quando tinha 6 anos. Muito do que sei hoje vem daí. Às vezes meu pai fala: “Pô, deu mole ali, deu mole lá.” Eu falo: “Pô, mas eu sou reflexo de você. O que eu faço é o que eu via você fazer, né? Então, a culpa é tua.” Mas tive muita sorte. Hoje vejo o quanto fui abençoado por já crescer nesse meio. E, obviamente, consegui também elevar esse nível, puxar com meu talento e alcançar outros horizontes. E meu irmão está elevando a outro nível.
Seu irmão Samuel Pupo também está se destacando. Como é essa relação dentro e fora da água? Rola rivalidade ou mais parceria?
É engraçado, porque todo mundo sempre pergunta sobre a rivalidade, e, na verdade, não tem muito, porque são 9 anos de diferença. Então, é realmente um lance de irmão mais velho, irmão mais novo; é muito respeito, muita admiração — pelo que ele se tornou e ele por mim, por ter acompanhado tudo o que aconteceu na minha carreira e ainda está rolando. Então, rivalidade não tem. Só tenho muita felicidade, porque consegui competir com o meu pai e com o meu irmão. Foi para desfrutar o momento. Com o meu pai, a gente perdeu junto. Era bateria de quatro atletas, passavam dois e perdiam dois, e a gente perdeu junto. Foi engraçado. Com meu irmão já rolou algumas baterias, e é muito bom, porque você quer competir com seu irmão e competir no maior palco que existe, dentro do seu esporte. É realmente especial.
O que representa para você competir em Saquarema, diante da torcida brasileira? Dá para comparar com outras etapas do tour?
Saquarema é realmente especial porque é no Brasil. É o mais fácil de ter todo mundo. É o único evento em que eu consigo ter meus pais, minha irmã, meu cunhado, ter todo mundo próximo e minha família também. Eu tenho quatro meninas, e viajar pelo mundo com elas fica praticamente impossível. Então, esse é o único evento em que consigo tê-las também por perto. Para mim, antigamente, era um evento onde eu sentia muita pressão, porque queria performar bem para dar orgulho a eles, e isso acabava me pesando muito. Obviamente, quero ir bem para poder dar orgulho, não só para eles, mas também para a galera que veio aí. A gente vê que a praia está cheia para assistir a gente.
A etapa do Rio costuma ter um ambiente mais barulhento, cheio de festa e torcida próxima. Isso te motiva ou pode atrapalhar a concentração?
Acho que vai do perfil de cada atleta. No meu caso, sou um cara bem mais reservado e quieto; para mim, atrapalha bastante ter muita muvuca, muita gente. Nos últimos anos, tenho tentado encontrar a fórmula para transitar nesses ambientes sem me afetar muito e estar mais focado para a bateria. É algo da minha personalidade. Demorei muito tempo para aceitar isso. Achava que tinha que aceitar e fazer parte dessa galera também, mas é algo que não consigo. Então, sempre procuro lugares mais afastados da praia e mais reservados, e transitar nas horas em que tem menos gente. Não que eu não goste da galera, mas é algo que me incomoda. Isso afeta minha mente, meu corpo e, enfim, acabo não conseguindo performar do jeito que gostaria.
Você já viveu altos e baixos no tour. O que te motiva a continuar brigando entre os melhores do mundo?
Às vezes penso sobre o que me move, e é algo bem diferente. Troco muita ideia com o Adriano, porque, às vezes, tenho dificuldade para procurar essa motivação e, para ele, sempre houve… não dinheiro em si, mas ele falou que sempre pensava: “Pô, eu preciso reformar a minha casa, preciso ganhar esse campeonato.” Então, ele buscava esses caminhos. Para mim, não é tão assim, porque, graças a Deus, consegui conquistar algo financeiro muito bom que me tira essa pressão. Então, não consigo ir por esse caminho, tenho essa dificuldade. Hoje vejo que o que me mantém aqui é esse desafio de ter que se renovar todo ano para poder se adaptar à galera que está ali. A cada ano que passa, todo mundo fica melhor, né? A galera vai aprendendo mais, os rookies vão aprendendo mais, e quem já está fica cada vez mais experiente.
Eu achava que precisava de algo especial, e acho que esse “algo especial” que eu tenho é sempre conseguir me adaptar. Já se passaram 14 anos desde que estou no CT, então acho que esse talvez seja o meu maior talento: poder me adaptar e ainda ter a capacidade de aprender. Acho que isso é algo bom que eu tenho. Todo ano consigo aprender novos aéreos ou novas manobras. Enquanto isso estiver rolando, acho que vou estar por aqui. A partir do momento em que eu perceber que bati no teto, que cheguei ao meu limite, provavelmente vai ser a hora de ir embora. Mas, por enquanto, ainda tenho energia e vontade para evoluir e também para estar aqui disputando com a galera.
Como você vê a nova geração de surfistas brasileiros que está chegando agora no circuito? Acha que o Brasil vai continuar dominando?
Eu acho que a nossa geração foi fora da curva, e é algo que acontece poucas vezes. Não pela qualidade do talento — há ótimos talentos, como você falou: João, meu irmão, Mateus, enfim, muitos outros —, mas pela quantidade, né? A gente bateu números ali, com 11, 12 atletas no CT, um terço dos competidores. É algo que nenhuma outra nação sonhava em ter. Talvez a Austrália tenha chegado a isso, mas eles estão no esporte há anos, né? Eles são praticamente donos da parada. A estrutura é outra também. Eles estão na, sei lá, sexta ou sétima geração de surfistas, e a gente está na terceira. E o preconceito que a gente enfrentou também… Lá, o surfista é o topo da cadeia. Surfista lá é igual, sei lá, a ator de Hollywood aqui.
Então, acho que é muita cobrança para quem está vindo, por ter que bater esse sarrafo. Existe essa cobrança de quem é o novo Medina, quem é o novo Filipe, e, às vezes, o brasileiro não entende que o Filipe, o Gabriel ou o Ítalo são talentos que surgem a cada 50 ou 100 anos. A gente não tinha mídias sociais na época em que começamos; acredito que isso deve atrapalhar bastante os meninos mais novos. Então, o que eu tento fazer é passar o bastão, tento mantê-los o mais próximos possível.
Qual sua onda favorita no mundo?
Cacimba do Padre, Fernando de Noronha.
Uma lembrança marcante da sua carreira?
Minha onda em Pipe-2013, contra Jeremy Flores. Esta ainda continua sendo a minha mais marcante. A galera sempre me pergunta — porque tem a vitória em Teahupo’o e tal — mas se fosse pra pegar um momento marcante pela história de tudo o que aconteceu, por eu ter me lesionado, ter perdido eventos, e precisar passar aquela bateria pra me classificar e fazer aquela onda… Acho que tudo isso vai acumulando para um momento especial.
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Maior inspiração?
Meu pai. Ele que iniciou esse sonho. Sempre falo que eu sou a extensão do sonho. O Samuel é o letreiro já. Meu pai veio de uma família que não era do surfe, morava longe da praia e ele começou a surfar com prancha emprestada. A mãe dele batia nele se ele surfasse. Quando ele competiu e ganhou o primeiro troféu, ela queimou. Então ele teve que vencer várias barreiras pra poder dar início a esse sonho, para depois eu desfrutar do que eu estou desfrutando agora.
Se não fosse surfista, o que seria?
Eu acho que a clássica é todo mundo falar skatista, mas eu era ruim no skate. O skate me arrebentava no chão toda hora. Mas acho que, se eu não fosse surfista, com certeza eu ia estudar. Eu era bom na escola. Eu adorava estudar. Matemática, Ciências, Física. Gosto muito de matemática, então não sei o que a vida teria me levado, mas provavelmente teria feito faculdade, teria estudado bastante, porque era o que eu curtia fazer.
Um sonho que ainda quer realizar no esporte?
O mais óbvio é título mundial, né? Acho que chegar no Final 5 e ter a oportunidade de brigar pelo caneco seria realmente um sonho pra mim. E, obviamente, sair de lá com o maior caneco de todos seria mais que um sonho. É algo que ainda tá vivo em mim. É algo que eu acho que também me mantém aqui até hoje.
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