:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2025/d/H/L5fT66QRScO4Kb5MATbw/54829921058-6bb4e2301e-k.jpg)
O enxadrista norte-americano Fabiano Caruana, número 3 do ranking mundial, se sagrou campeão do torneio Grand Chess Tour de 2025, que teve a final disputada hoje em São Paulo. Ele derrotou o francês Maxime Vachier-Lagrave (MVL), que largou na frente nesta tarde, com uma vitória e um empate, mas acabou tomando uma virada ao longo das quatro partidas seguintes.
O centro de eventos do WTC, em São Paulo, foi palco tanto das semi-finais quanto da final do torneio, com todas as partidas sendo disputadas ao longo de uma semana. Foi a primeira vez desde 2010 que o Brasil recebeu um torneio de elite do xadrez mundial.
- Grand Chess Tour: São Paulo recebe elite do xadrez mundial em campeonato disputado
Os jogos foram realizados com teatro quase cheio e como manda a tradição: público em silêncio sepulcral e aplausos irrompendo apenas ao final de cada partida. Como medida contra trapaças e tentativas de tumultuar jogos, espectadores foram proibidos de usar o celular para consultar análises de comentaristas ou computadores durante a disputa.
As duas primeiras partidas da final (valendo 6 pontos cada uma) foram disputadas na quinta-feira, com controle de tempo clássico: 90 minutos de tempo de raciocínio reservados para cada jogador, mais um acréscimo de 30 minutos após o 40º lance. Nesta etapa, Caruana e MVL saíram empatados em ambos os jogos.
Os finais em impasse se deram após uma postura que parte do público considerou “retranqueira” por parte dos dois enxadristas. Ambos os jogos terminaram por repetição de movimentos (quando a mesma posição se repete pela terceira vez no tabuleiro), após sequências de movimentos com preparações teóricas extensas.
A primeira dessas duas partidas, porém, teve uma certa emoção, segundo analistas.
— O Caruana, na primeira partida, chegou a ter o jogo completamente ganho, mas o MVL conseguiu escapar milagrosamente — disse ao GLOBO o grande mestre Rafael Leitão, ex-campeão brasileiro que comenta jogos para a plataforma Chess.com. — A disputa estava muito apertada. Eu imaginava mesmo que tudo ia ser mesmo decidido nas últimas partidas.
Xadrez dinâmico
Com tudo igual no primeiro dia de final, os dois enxadristas levaram a decisão para o relógio com controle mais dinâmico no segundo dia. E se a quinta-feira pode ter aborrecido alguns espectadores, a sexta-feira entregou a emoção esperada em dobro.
Primeiro, os enxadristas disputaram duas partidas em formato rápido: 25 minutos para cada um, mais um incremento de 10 segundos a cada movimento executado. Cada partida rápida valia 3 pontos cheios para o vencedor, ou 1,5 ponto no empate.
No primeiro desses jogos, desenhou-se abertura da partida uma formação de “Defesa Siciliana”, com peões avançando duas casas sem se tocar. Após a abertura, Caruana conseguiu se colocar em uma situação marginalmente vantajosa, mesmo com as peças pretas. (O jogador de peças brancas, que inicia a partida, estatisticamente sempre tem uma leve vantagem.)
No 19º lance, contudo, o americano executou um movimento de rainha que a análise computacional considerou uma imprecisão, e perdeu sua discreta dianteira. Após isso, tendo gasto menos tempo no relógio, o francês conseguiu pressionar o adversário até o fim. Com uma sequência de troca rápida, e capturas mútuas das peças mais poderosas, restaram no tabuleiro apenas peões e os reis.
Com poucos segundos restantes, MVL cruzou seu rei no tabuleiro lance a lance até ameaçar criar um peão passado, com caminho livre para avançar até a última fileira e coroá-lo como rainha. A partida terminou ali, com Caruana oferecendo um aperto de mãos e uma desistência, conforme o protocolo.
A segunda partida em formato rápido terminou empatada, levando a final para a última etapa: uma série de até quatro partidas no formato blitz (5 minutos + 2 segundos de incremento por lance) se iniciou com o americano sob pressão para ganhar.
Caruana começou a última série de jogos com as peças pretas, e arrancou logo de cara uma vitória, num jogo com defesa siciliana que inicialmente teve MVL mais confortável. Após perder uma oportunidade no lance 25, o jogo prosseguiu equilibrado, e MVL cometeu um erro num movimento de rei no lance 53. Cinco lances depois, abandonou a partida.
No segundo jogo em blitz, Caruana iniciou uma abertura do tipo Réti, começando com um movimento de cavalo, algo que no xadrez de elite pode sinalizar disposição para empatar. O americano mostrou, porém, uma preparação sólida para essa posição e conseguiu vencer o francês, deixando toda a final empatada, com 12 pontos a 12.
Momento da virada
No terceiro jogo em blitz, Caruana conseguiu uma virada heroica, usando novamente a abertura siciliana com as peças pretas.
— Essa foi uma partida muito interessante, porque o Caruana criou uma formação de peões muito original para conseguir avançá-los — afirma Leitão. — O François-André Philidor, um enxadrista muito importante do século XVIII, escreveu num dos primeiros tratados mais teóricos sobre o jogo que “os peões são a alma do xadrez”, e nessa partida foi o que o Caruana demonstrou, atropelando o MVL com os peões.
Na última partida, então, o francês entrou com a obrigação de ganhar com as pretas. Ele bem que tentou, mas após se formar uma abertura em posição do “gambito da rainha” (em que um peão é oferecido para troca na abertura), a partida evoluiu para um jogo bastante equilibrado.
No 53º lance, Caruana encontrou uma brecha para colocar o jogo em posição de movimentos de rainha e rei com repetição perpétua (que incorre em derrota para quem recusar a repetição). E com um empate, o americano se sagrou campeão do Grand Chess Tour de 2025 numa pontuação de 15 contra 13 na final.
Na entrevista para a transmissão oficial após a partida, Caruana afirma que conseguiu se recompor para tentar uma vireada após a primeira vitória da série de blitz, adotando uma perspectiva otimista.
— Se você encarar a situação como ter que vencer dois dos quatro jogos de blitz contra Maxime para empatar a partida, não parece tão bom. Mas se você encarar a situação como ter que vencer um jogo e depois parecer que acabou de perder um jogo de blitz, então não é tão ruim — disse.
O terceiro lugar foi decidido também hoje, entre o jovem indiano Rameshbabu Praggnanandhaa e o armênio naturalizado americano Levon Aronian. Essa disputa terminou com um desequilíbrio maior, com Aronian vencendo a série de partidas por 20 pontos a 8.
Com casa quase cheia, o torneio foi considerado um sucesso, segundo os patrocinadores. O Grand Chess Tour é bancado pela multinacional de apostas esportivas Superbet e apadrinhado pela lenda do xadrez Garry Kasparov. No Brasil teve parceria com o empresário Davy D’Israel, ex-campeão paulista e fundador do clube Xeque & Mate.
Os representantes do torneio realizaram uma rápida cerimônia de entrega dos troféus (acompanhado de uma premiação de US$ 150 mil), na qual Caruana agradeceu aos presentes.
— Foi certamente um dos maiores públicos para os quais eu já joguei — afirmou o campeão do torneio, que mostrava uma certa pressa para pegar seu voo de volta para casa.
This news was originally published on this post .
Be the first to leave a comment